Entre bandeiras, solidão e amor: o que a sua sexualidade te ensinou?
Reflexões sobre bissexualidade, pertencimento e os padrões invisíveis que criamos.
🎧 Sempre narro os textos pra você. Então é pra apertar o plaaay!
Existir no mundo é complexo e já nos dá muito trabalho. Amar, socializar, ter um emprego, “ser alguém na vida”, ser amado, ser você mesmo ou ser aceito… são tantas questões. Como você lida com a existência? Hoje, especificamente em Junho, nosso mês colorido, como você lida com a existência da sua sexualidade?
Minha intenção não é militar, lacrar ou lançar a braba. De alguma forma, quero te fazer pensar sobre o existencialismo das nossas sexualidades e por que, mesmo tentando fugir dos padrões impostos, nossa comunidade criou novos padrões. Pelo menos pra mim, como bissexual assumida desde os 23 anos, isso me fez sentir cada vez mais sozinha.
O impacto de se perceber como uma pessoa que ama pessoas
Quando você percebeu a sua sexualidade do jeito que ela é hoje? Bom, pra mim é meio simples… eu não tive uma fase homofóbica na adolescência, em que mal podia ver casais não normativos de mãos dadas, ou em que atravessava a rua e repetia comportamentos ruins dos meus pais, ou coisa do tipo.
Na verdade, vou te contar um pensamento: quase certeza de que viemos a esse mundo com certa essência, claro que o meio em que crescemos muda tudo, mas você não acha que já era você desde antes de te impuserem quem você deveria ser?
Nunca tive problemas em entender o mundo pessoal de cada serzinho, o que me perguntava mesmo era por que diabos pessoas se achavam no direito de validar o que outras deveriam fazer.
Ainda assim, demorei demais a aceitar que eu era uma pessoa LGBTQIAP+. Entendia com facilidade o resto, mas… me sentia fora de qualquer bolha. Entende?
Não era interessada em meninos ou meninas até certa idade, e acho que foi com 12 anos, que tudo começou mesmo.
Naquela época, me apaixonei perdidamente pela ruiva mais gostosa do México, e embora eu até achasse que queria ser parecida com ela, hoje sei que eu queria ter aquela diva pra mim.

Mesmo que ela fosse linda de morrer, o que mais me fazia amá-la, eram os textos, poesias guardadas e composições melancólicas que ela soltava de vez em quando.

Desde lá, pelo menos pra mim, já não parecia ser sobre se era menino ou menina minha grande atração, mas sobre quem eu podia admirar antes mesmo disso.
E pra você? Como foi a fase 1 desse processo que se desenrola quase que por toda a vida? Você consegue lembrar do primeiro nome, rosto ou gesto que fez seu coração acelerar?
Apaixonada por Dulce Maria, ao mesmo tempo, gamei perdidamente por Chistopher Uckermann. Os dois faziam casal, então imagine uma pré-adolescente vendo as cenas das duas pessoas que mais achava sexy no mundo…
Tava na cara que eu não era hétero, mas que também não era lésbica, mas sinceramente, essa era a parte que menos importava pra mim.
Nos anos 2000, fui muito feliz. RBD me ajudou, a não só ir além do meme, e ficar fluente no espanhol, como em lidar com uma fase obscura da infância.
Dançar, me encher de glitter, me imaginar em palcos, shows, atuações… me iluminou para lidar com aquela época, sendo uma criança pós grandes traumas, negra e ainda sem saber…bissexual.
Mas quando foi que entendi que bissexual era mesmo a minha bandeira?
Primeiro vamos começar pela parte mais importante: quando surgiu o termo e a bandeira?
"bissexual" começou a ser usado no final do século 19 no campo médico/científico, inicialmente com outro significado (pra se referir a indivíduos com características físicas masculinas e femininas). Só depois, passou a descrever pessoas que sentiam atração por mais de um gênero.
Na década de 1970, com o fortalecimento do movimento "gay” e o surgimento da militância sexual e de identidade nos EUA e Europa, bissexualidade ganhou força como orientação válida dentro das discussões sobre diversidade sexual.
O movimento bissexual veio aí justamente porque muitas pessoas não se sentiam representadas no contexto binário (heterossexual/homossexual). Era uma reivindicação por reconhecimento da complexidade da atração humana. Quer frase mais explicativa do que essa? A complexidade da atração humana!
🏳️🌈 A bandeira bissexual
A bandeira rosa, azul e roxa foi criada por Michael Page (ativista bissexual da Flórida) em 1998, durante a celebração de um evento bissexual nos EUA. Ele sentiu a necessidade de um símbolo próprio para a comunidade bi, que frequentemente era invisibilizada…
Com o tempo, parte da comunidade bi passou a incluir no entendimento de bissexualidade o reconhecimento de atração por homens, mulheres e outros gêneros (por isso, hoje há discussões sobre interseção com termos como pansexualidade e plurisexualidade).
Mas consegue ver como essas datas já são bem antigas? Quando eu estava passando pelo momento de maior confusão mental sobre quem eu era, no auge dos 19 anos (era 2013), e uma coisa me ajudou muito a me entender como bissexual: foi em um rápido google, encontrar o Manifesto Bissexual de 1990.
Em 1990, a bissexualidade já era defendida como não binária, então ali em 2013, eu já cheguei sem me perguntar sobre pansexualidade. Ser bissexual era o que fazia total sentido pra mim.
Começar a ler mais sobre isso, encontrar desabafos, histórias, porquês pra quem eu era, me fez, naquela época, orgulhosamente me tornar a bissexual mais insuportável do mundo. Bifobia? Aqui não amore…
As camadas e dilemas: novos padrões e exclusões
Com o tempo, eu não precisava mais ficar fervorosa pelas minhas causas, só quando muito necessário.
Por ser uma garota com o gênero masculino muito fluído no meu jeitão, voz e roupas, sempre fui lida como lésbica, mesmo dizendo com todas as letras ser bi.
Já me aconteceu de estar no rolê com meu namorado e ser parada por meninas lésbicas, que tentaram enfiar na minha vivência, uma "heteronormatividade compulsória".
A heteronormatividade compulsória, é a ideia de que a heterossexualidade é imposta como a norma socialmente aceitável e esperada, especialmente sobre as mulheres. No contexto lésbico, isso se manifesta como a pressão para que mulheres se relacionem romanticamente e sexualmente apenas com homens, mesmo que sua orientação sexual seja diferente.
E eu não quero ficar usando termos, mas apesar de acontecer isso com muitas mulheres antes de se descobrirem lésbicas, não era o meu caso.
Mesmo assim, a que ponto chegaram…me parar no rolê! Como você acha que me senti?
Nunca entendi esse limite esquisito criado por nós sobre o feminino e o masculino, afinal, vivemos em corpos individuais, com sentimentos total pessoais, e experiências tão únicas, que não faria sentido ter como resumo de quem nó somos ser só uma coisa ou outra. Você entende?
Sim, meninas masculinas podem ser lésbicas, mas não só isso.
Meninos femininos podem ser gays, mas não só isso.
Por que essas duas expressões não poderiam ser heterossexuais?
Uma menina que performa masculinidade apaixonada por um homem...Uau… E daí?
Nossa comunidade quis tanto romper padrões, que acabou criando os seus próprios.
E se você não consegue ver dessa maneira, tudo bem.
Se você é bissexual, e já passou por algo minimamente parecido com o que te contei, comenta aqui.
Qual foi a frase ou situação mais marcante que te fez perceber o preconceito dentro da própria comunidade? Os novos padrões criados já não te fizeram se sentir sozinho ou sozinha? Certeza que eu tenho um ponto.
O que eu estou falando aqui até vai além dos clássicos "você só está confusa", "Bi de balada” ou do "Bi? Isso não existe!".
A dificuldade no encaixe com o lugar que mais deveria nos acolher, não só dói a nível de comentários, mas na mente.
Um estudo da revista Journal of Public Health sugere que, em relação às mulheres lésbicas, as bissexuais têm 64% mais chance de enfrentar distúrbio alimentar, probabilidade 37% maior de sofrer com automutilação e estão 26% mais propensas a sofrer com quadros de depressão. Você pode ler mais sobre isso aqui.
Outro estudo, fala da solidão na nossa vivência, tanto na falta de apoio social, quanto emocional, o que aumenta estresse, angustia… É realmente uma agonia se sentir tão fora de qualquer grupo, mas aprendi com o tempo que existiam mais pessoas como eu do que eu sequer imaginava.
Apesar da repetição, e dos erros que tanto combatemos, ao tentar burlar esse apagamento, entendi de uma vez que a culpa, vergonha ou solidão que eu sentia sobre quem eu era, não deveria ser minha.
Nada disso combinava com a minha visão do que é o amor…
Alguns homens bissexuais se apaixonam por homens 90% das vezes, algumas mulheres por mulheres, outros 50%/50%. É de pessoa pra pessoa, individual e único. Mas nada disso importa.
Nada muda que seguimos bissexuais.
Eu continuo bissexual ao namorar um homem. Você por acaso muda de sexualidade enquanto se relaciona? A gente também não.
E eu preciso realmente falar que temos a capacidade de amar uma só pessoa por toda a vida?
São questões que me parecem tão básicas, e ainda poderíamos entrar em muitas outras, mas… no geral, ninguém deveria ter que provar a própria sexualidade pra ser respeitado.
Eu não quero ter que te falar todos os motivos de porque eu sou sim uma mulher bissexual.
Você realmente defende a liberdade de amar, ou está colocando o amor do outro numa caixa que só você acha aceitável?
Levante sua própria bandeira com orgulho, mesmo quando tentarem apagá-la
O que você gostaria que o seu eu adolescente soubesse sobre amar pessoas? Estou pensando sobre isso justamente agora porque…Te falei! Eu não conseguia me ver como uma pessoa bissexual.
Na verdade, acho que não conseguia me ver parte de nada. Tudo parecia tão distante, enquanto eu era tão fluída…
Sim, eu sou monogâmica (me relaciono romanticamente apenas com uma pessoa por vez), como a maioria das pessoas. E ser fluída não significa que vou chamar você e seu namorado pra um ménage. Eu nunca sequer fiz isso.
O que quero dizer é que eu sempre soube olhar os detalhes de olhos, bocas, movimentos, corações, antes de pensar no que existe no meio de suas pernas. Você consegue visualizar que não é sobre isso?
Acho que nossas versões adolescentes, pelo menos aquelas dos anos 2000, estavam muito presas a como as coisas deveriam ser sexualmente, romanticamente, pessoalmente… As pessoas só queriam fazer parte. E com isso, acabavam se perdendo.
Pra muita gente, ainda é um tabu. Se descobrir, seja sexualmente ou não, é algo que vai durar enquanto estivermos aqui.
Teria sido super legal que alguém tivesse me falado mais sobre bissexualidadade quando eu era bem menor, porque acabei demorando pra me identificar e entender.
Tem gente que só se entende aos 60. Tem quem nunca se entendeu. E esse tempo é nosso. Só nosso.
Se você está aí agora se perguntando que porr@ você é e em que grupo se encaixa, caminhe no seu tempo e vai descobrir.
Se você acha que rótulos não fazem sentido, estude nossos movimentos, precisamos de grupos bem estruturados há anos, pra conseguir o direito mínimo de existir.
Rótulos são representativos e importantes. Você sabia que dia 23 de setembro é o dia da visibilidade bissexual? Sim, desde 1999. Gosto desse dia…
Sou uma das poucas pessoas que fala sobre isso nas redes, quem sabe para diminuir um pouco aquela porcentagem que nos coloca como vulneráveis em nossa saúde mental.
Existimos, sabe? E ainda que não houvesse um nome e um movimento pra isso, você seguiria existindo.
A sua existência, jamais deveria precisar lutar por espaço.
Eu te apoiaria em todas as suas versões possíveis.
Nunca deveria ser algo tão difícil de explicar.
Amar nunca deveria ser tão complicado de se viver.
Eu continuo levantando minha bandeira, mesmo que às vezes, ela doa nos braços.
E você? O que a sua bandeira te ensinou?
“Eles” podem até tentar te fazer sentir que é preciso de permissão pra ter seu lugar no mundo. Mas venha, vamos juntos…
Existimos sob véus de histórias que outras pessoas jamais entenderiam. Então orgulhe-se.
Tem gente lá na frente, ansiosa…para ler o que estamos construindo.
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Sei que hoje foi um pouco diferente, obrigada por ler e ouvir até o final.
Deixe seu sentimento nos comentários. Compartilhe, participe da pré-vendas do meu novo produto e vambora existir!!!!
Um beijo da sua escritora mais intensa e orgulhosamente bissexual,
Lua
Texto incrível, Luana!
Realmente nenhuma experiência é única: quando eu era adolescente, também não entendia que era bissexual. Hoje em dia, olhando pra trás, vejo que muitas meninas que eu tinha "inveja" na época, na verdade, me atraíam! Inclusive celebridades que eu pensava que eu queria ser - como você com a Dulce -, também!
Como uma mulher bissexual também num relacionamento com um homem (no caso, hétero), às vezes me sinto um peixe fora d'água, parece que não sou "bissexual o suficiente". E isso existe por acaso? Vivemos num mundo ultra binário mesmo e é muito triste ver mulheres lésbicas e homens gays reclamando de bissexuais, tipo assim, qual o sentido? Vejo esses dois grupos praticando bifobia com muito mais frequência do que héteros na internet (talvez porque estou numa bolha LGBT com todos os meus algoritmos, mas mesmo assim!).
É muito engraçado ver pessoas dizendo que não ENTENDEM como alguém pode se sentir atraído por várias pessoas mas querer se relacionar romanticamente com apenas uma, mas, sinceramente, o que há para ser entendido? Sinto isso e sinto, ponto final. Aprendi que não preciso da compreensão dessas pessoas que, na maioria das vezes, não está querendo aprender, só julgar e se manter na ignorância.
Enfim, texto incrível, Luana! Obrigada 🤗 Se pudesse, restackava ele inteirinho!
Que postagem de qualidade! De verdade, parabéns! Claro, o texto está muito bom, mas tem um diferencial.
+ Ainda me identifiquei muito. Acho que a bissexualidade é um sentimento, só quem é entende. Talvez eu nunca me entenda, mas é o que você disse: “não importa, ainda seremos bissexuais”.